Começa nesta segunda-feira segundo julgamento de Leandro Boldrini, réu pela morte do filho Bernardo.

Médico havia sido condenado, em 2019, a 33 anos e oito meses de prisão em regime fechado, mas a decisão foi anulada em 2021.

Começa nesta segunda-feira segundo julgamento de Leandro Boldrini, réu pela morte do filho Bernardo.

Um dos casos de maior comoção registrados no Rio Grande do Sul ganha um novo capítulo a partir desta segunda-feira (20). Pela segunda vez, a comunidade de Três Passos, no noroeste gaúcho, que amargou a morte do menino Bernardo, aos 11 anos, em 2014, julgará Leandro Boldrini, acusado de ter sido o mentor intelectual da morte do filho. O réu havia sido condenado, em 2019, a 33 anos e oito meses de prisão em regime fechado, mas a decisão foi anulada em 2021, e ele será submetido a novo julgamento. Apesar da anulação do júri, a prisão de Boldrini foi mantida e ele segue recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). O rito ocorre a partir das 9h30min, no Salão do Júri da Comarca de Três Passos, e deve durar três dias.

A movimentação no município de cerca de 24 mil habitantes vem aumentando com a proximidade do novo júri, que desloca diversas pessoas até a região. Diferentemente de 2019, hoje há menos cartazes espalhados pela cidade, e a casa onde Bernardo vivia com a família não tem nenhum banner com o rosto do menino nem flores nas grades.

— Acredito que, ao longo do júri, aumente a mobilização pela cidade. É um caso que marcou muito. É uma tática que algumas defesas costumam usar, de afastar a data do crime o máximo possível do dia do julgamento, porque as pessoas vão esquecendo, a memória e percepção das coisas mudam — comenta um morador do município, que preferiu não se identificar.

MP pedirá pena máxima

O Ministério Público do Estado afirma que pedirá pena máxima para o réu - que deve se assemelhar à condenação obtida no júri de 2019. Para os promotores do caso, Lúcia Helena Callegari e Miguel Germano Podanosche, não há dúvidas de que Boldrini participou da morte do filho, nem de que o crime foi premeditado.

— Tenho certeza absoluta de que o Boldrini sabia da morte, de que ajudou a delinear esse caso. Foi ele quem deu a receita do medicamento usado para dopar o menino, ele apagou vídeos do celular, que mostravam Bernardo pedindo socorro dentro de casa, imagens que foram recuperadas pela perícia. No dia seguinte ao desaparecimento, ele estava trabalhando normalmente, fez até compras e passeios. Quando pessoas da comunidade se mobilizaram em buscas pelo menino, ele foi para casa dormir. Ele sabia que Bernardo estava morto — pontua Lúcia Helena.

A promotora cita ainda o comportamento do pai durante os dias em que a criança estava desaparecida:

— Temos relatos de que o Bernardo passava dias em casas de vizinhos e nem madrasta nem o pai ligavam para ele, não procuravam saber onde estava. Justamente no fim de semana que ele supostamente desapareceu, a postura foi completamente diferente por parte do réu. Ele liga para a dentista da criança, procura por ele. Eles acreditavam no crime perfeito.

Lúcia Helena define como "chocantes" os relatos sobre a forma como o menino era tratado pela família, e aponta motivação patrimonial para o crime:

— O réu corria risco de perder a guarda do filho, e com isso não teria acesso à herança que o menino ia receber da mãe. Se perdesse a guarda, também iria ter de pagar pensão. Com certeza isso ajudou a decretar a morte de Bernardo. A preocupação patrimonial é muito clara neste processo, e o dinheiro foi mais importante do que a vida do filho para o réu.

Durante o júri, o MP também deve mudar de postura em relação ao julgamento de 2019. A condenção de Boldrini foi anulada, em 2021, depois que um recurso da defesa do réu foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS). No entendimento dos desembargadores, o Ministério Público violou o direito do médico de ficar em silêncio no interrogatório. Isso porque, apesar de Boldrini permanecer calado na sessão, o promotor leu em voz alta as perguntas que faria para o médico, o que o teria prejudicado.

Para evitar uma possível nova anulação, os promotores não farão perguntas se Boldrini decidir ficar em silêncio.

— Há até pouco tempo, era comum o promotor fazer as perguntas e o réu permanecer em silêncio. Isso ocorreu em diversos júris e eles não foram anulados. No entanto, esse entendimento mudou, inclusive após a lei de Abuso de Autoridade, e deixou-se de fazer os questionamentos. Se o réu optar novamente por não responder ao MP, vamos ficar em silêncio. Apesar de eu acreditar que essa não é uma escolha inteligente por parte da defesa. Quem é inocente quer contribuir de todas as formas para explicar que não teve envolvimento, e os jurados também veem assim — explica Lúcia Helena, que define a conduta do promotor do caso em 2019 como "perfeita para aquele momento".

O julgamento

Leandro Boldrini será o único réu no novo júri, com início nesta segunda-feira e previsão de encerramento na quarta (22). Os outros três réus não serão julgados novamente (confira abaixo a situação de cada um deles).

Na sessão, os trabalhos serão presidios pela juíza Sucilene Engler Audino. O primeiro ato será o sorteio dos sete jurados dentre os 50 convocados para compor o Conselho de Sentença. Em seguida, serão ouvidas 10 testemunhas (cinco de defesa e cinco de acusação) e, ao final, o réu será interrogado. Assim como em 2019, Boldrini negará envolvimento no crime.

Trasmissão

O júri será transmitido ao vivo pelo canal do TJRS no YouTube.

Contraponto

A defesa de Boldrini, feita pelos advogados Rodrigo Grecellé Vares e Ezequiel Vetoretti, sustenta ter "certeza" de que o médico não tem participação na morte do Bernardo, amparando-se "em todos os elementos do processo".

"Leandro falhou como pai, isso é verdade. No entanto, existe uma distância abismal entre não ser um bom pai, falhar como pai e organizar a morte do filho, querer a morte do filho. A acusação é baseada em conjecturas, todas já destruídas com a prova produzida no processo. Com a convicção de quem leu, releu e tresleu os autos, posso afirmar que a condenação de Boldrini representa um dos maiores erros judiciários dos últimos tempos", diz Vetoretti em nota enviada à reportagem.

Os advogados afirmam encarar o novo julgamento "com serenidade" e acreditar que o júri, "despido das lentes do prejulgamento, irá reestabelecer a justiça e absolver" o réu.

Relembre o caso

Em 14 de abril de 2014, Bernardo Uglione Boldrini, então com 11 anos, foi encontrado morto, após 10 dias desaparecido. O menino morava com o pai, a madrasta, Graciele Ugulini, e uma meia-irmã, de um ano, no município de Três Passos. O pai chegou a afirmar que o filho havia retornado com a madrasta de uma viagem a Frederico Westphalen, no dia 4 de abril, quando teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Bernardo deveria voltar no final da tarde do dia 6, o que não ocorreu. 
Após os 10 dias de investigações, foram presos por envolvimento no crime o pai, a madrasta e uma amiga dela, Edelvânia Wirganovicz. Em 10 de maio, foi preso o irmão de Edelvânia, Evandro. 
Amigos e pessoas próximas serão testemunhas no segundo julgamento e, assim como no primeiro, devem relatar as lembranças que têm do menino e o que sabem sobre a relação dele com o pai e as condições em que vivia. Elas descrevem Bernardo como um menino meigo, que se envolvia em ações solidárias e com um "coração enorme". Uma criança carente, que buscava afeto nas famílias dos coleguinhas e que costumava "se pendurar" em abraços nas professoras e em quem quer que oferecesse aconchego. 
Foi esse menino pacífico e afetuoso que foi dopado, colocado de cócoras dentro de uma cova vertical, com cerca de um metro de profundidade, com o corpo levemente inclinado para o lado direito e envolto por um saco plástico. O matagal onde ele foi enterrado fica na localidade de Linha São Francisco, em Frederico Westphalen.
Bernardo teria sido morto por Graciele, com a ajuda da amiga e do irmão dela. Os três também foram condenados em 2019. O pai seria o mentor intelectual do crime. Além do assassinato, Leandro e Graciele também foram acusados de cometer violência psicológica e humilhação contra o menino, em razão de vídeos e áudios mostrados ao longo do processo.

A situação dos demais réus

- Graciele Ugulini (madrasta) — condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026.
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) — condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre.
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) — condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.

 

 
 
 
Fonte: Gaúcha ZH
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